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A Curatela da Inocência: Quando o Amor Precisa Proteger

  • Foto do escritor: Dr. Alessandro Alcino
    Dr. Alessandro Alcino
  • 14 de fev.
  • 3 min de leitura

Antônio e Margarida haviam atravessado meio século juntos. Cinquenta anos de cumplicidade, risos e desafios compartilhados. Casaram-se jovens, construíram um lar acolhedor e, tijolo por tijolo, ergueram um pequeno comércio de tecidos que lhes garantiu estabilidade. Tiveram três filhos, hoje adultos, cada um seguindo sua própria jornada. A vida era simples, mas plena.

Pertenciam a um tempo em que a comunicação era palpável, analógica. Quando muito, um telefonema em um aparelho fixo, cujo número era vinculado a um endereço certo e inafastável. O inesperado não atravessava suas portas por meio de telas luminosas e ilusões sedutoras. Mas o mundo mudara. A internet trouxera facilidade e conectividade, mas também perigos disfarçados de oportunidades.

Com o passar dos anos, Margarida, outrora enérgica e sagaz, tornou-se mais introspectiva. A idade lhe trouxera fragilidades, e a depressão, silenciosa e implacável, envolveu-a como um véu opaco. Antônio, sempre solícito, fazia de tudo para vê-la sorrir, mas a modernidade, com suas telas luminosas e promessas virtuais, se tornara um território desconhecido para ela. Foi nesse abismo entre ingenuidade e tecnologia que os primeiros golpes surgiram.

Tudo começou com uma mensagem em um aplicativo de conversa. O texto era formal, acompanhado de um logotipo bancário. Informava que havia um problema no cadastro de Margarida e que era necessário regularizar a situação para evitar o bloqueio da conta. Bastava clicar no link e preencher alguns dados. Ela, aflita, seguiu as instruções sem desconfiar. Depois vieram novas mensagens: um sorteio inesperado, uma oferta imperdível de empréstimo com juros quase inexistentes. “Parabéns! Você foi contemplada! Para resgatar seu prêmio, confirme seus dados e pague a taxa de liberação.”

Margarida, na esperança de aliviar as dificuldades financeiras do casal, contratou um empréstimo falso. Os depósitos, que deveriam resultar em uma quantia vultosa, desapareceram como fumaça. Depois, vieram os boletos fraudulentos e as compras indevidas no cartão. Quando Antônio percebeu, parte das economias do casal já havia evaporado.

Os prejuízos se acumulavam. As contas estavam atrasadas, o plano de saúde corria risco de cancelamento. O aluguel do pequeno espaço comercial que ainda mantinham estava em débito. Antônio não sentia raiva da esposa — apenas um profundo desalento. Margarida, fragilizada, chorava baixinho, envergonhada por ter colocado o marido naquela situação.

— Minha querida, não se culpe — ele disse, segurando suas mãos trêmulas. — O mundo está diferente. Se eu, que sempre estive ao seu lado, às vezes me confundo, imagina você, que nunca precisou lidar com essas coisas?

No íntimo, Antônio sabia que aquilo não poderia continuar. Margarida era vulnerável. Ele precisava protegê-la.

Os filhos, preocupados, sugeriram a interdição. Argumentaram que, se a mãe não tinha discernimento para lidar com o dinheiro, o melhor seria que um deles assumisse essa responsabilidade. Antônio hesitou. Interdição? Curatela? Isso significaria privá-la de sua autonomia, rebaixá-la diante da lei. Ela não era incapaz, apenas frágil. Além disso, envolveria um processo judicial, com promotores, advogados, auxiliares e um juiz conhecendo detalhes íntimos da vida do casal, expondo suas fragilidades em audiências e documentos. Antônio se perguntava se estava pronto para tamanha exposição, se Margarida suportaria ver sua vida analisada friamente por estranhos em nome da proteção.

Antônio, durante noites insones, refletiu sobre o dilema. Se não a protegesse legalmente, mais golpes poderiam acontecer. Será que ela suportaria perder o direito de gerir a própria vida?

O amor era maior que tudo, e ele não queria feri-la.

Buscou um advogado, que lhe explicou as nuances do processo. O advogado, prudente, sugeriu a possibilidade da curatela parcial, isto é, garantindo que Margarida tivesse proteção apenas nos aspectos patrimoniais. O objetivo não era puni-la, mas assegurar que não caísse mais em armadilhas.

No fim, Antônio tomou uma decisão. Conversaria com a esposa, explicaria a necessidade de um amparo legal. Não seria um gesto de controle, mas de carinho. Ele já a protegera tantas vezes ao longo da vida — essa seria apenas mais uma.

Naquela noite, ao olhar para Margarida adormecida,

Antônio suspirou.

O amor verdadeiro não impõe,

não anula,

mas acolhe e resguarda.

Infelizmente, porém, nos dias de hoje, amor também é precaução.

A internet, esse universo sem rosto e sem endereço fixo, não perdoava distrações. Bastava um toque desavisado para que a vulnerabilidade se tornasse uma sentença de dor. Em tempos digitais, onde o perigo espreita na ponta dos dedos, a maior prova de afeto era a vigilância.

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